Hospitais doentes

A situação dos hospitais e institutos federais na cidade do Rio de Janeiro tem se agravado há anos.

Além do decano Hospital Federal dos Servidores do Estado (1934), o Hospital Federal Cardoso Fontes (1945), Hospital Federal de Bonsucesso (1948), Hospital Federal de Ipanema (1955) e o caçula Hospital Federal da Lagoa (1962), são prédios antigos, castigados pelo tempo, e de arquitetura inadequada para os padrões da medicina atual.

Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (INTO), Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA, subdivididos em I, II, III e IV), Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e Instituto Nacional de Cardiologia (INC), formam um quarteto carioca de institutos federais que também padecem de grande desgaste e falta de modernização nas suas estruturas, além de uma progressiva perda na capacidade de trabalho e precarização dos vínculos trabalhistas.

Após tantos anos sem concurso público, o número de profissionais inativos absorve grande parte do orçamento dessas unidades. A reposição dos funcionários que se aposentam tem sido realizada através de contratos temporários, porém, insuficiente pela perda que tem ocorrido. Com baixos salários, os contratados recebem bônus ou gratificações para uma pequena melhoria nos vencimentos. Mas a remuneração, ainda não atrativa, tem impacto negativo no desempenho e vínculo com a unidade de saúde.

Neste quadro, observamos um envelhecimento dos recursos humanos que leva ao agravamento ainda maior da situação. Servidores, com salário base cada vez mais defasado, dependem das gratificações para manterem o mínimo, o que os levam a postergar a aposentadoria. 

Em relação à gestão, o problema não é menor. Responsáveis pelo próprio gerenciamento, sofrem grandes pressões por parte dos políticos em busca de formar verdadeiros “feudos de benefícios”. Interferência no agendamento de serviços e solicitações na contratação de pessoas são alguns dos exemplos que habitam o cotidiano desses hospitais.

Com este cenário, é imperativa e urgente uma reforma administrativa.

Acredito que uma aproximação sinérgica e transparente com as esferas estaduais e municipais, inclusive na regulação de leitos hospitalares e marcação de consultas/exames, dificultaria os atalhos para a politização nas unidades.

Também é necessário um plano de cargos, carreira e salários. O estímulo à meritocracia, para a progressão na carreira dentro de uma instituição, fortalece o vínculo com a mesma, e traz desdobramento positivo na dedicação e performance.

Enfim, ações urgentes são imprescindíveis na recuperação do que estas unidades já foram um dia, para trazer uma melhoria na saúde dos cariocas.

Administrador ou Gestor?

Em uma reunião, fui apresentado a um senhor como ele sendo o administrador da empresa. Não levou 15 minutos para eu perceber que, na verdade, se tratava de um gestor.

É comum trocar os termos “gestão de assistência médica” e “administração de assistência médica”, pois eles parecem ter o mesmo significado, embora sejam atividades muito diferentes neste setor. Um dos motivos para esta confusão reside no fato que muitas organizações de saúde menores mesclam essas duas funções, para economizar nos custos. Em linhas gerais, podemos dizer que um cuida da organização, enquanto o outro administra as pessoas. O termo gestão surgiu da necessidade de agregar à visão mais tecnicista da administração um conceito transdisciplinar, para atender as demandas sociais, políticas e culturais. Desta forma, com ações mais contextualizadas e interligadas, é aberto um espaço para uma estratégia mais ampla e descentralizada.

Mas qual é a diferença entre o administrador e o gestor?

O administrador é voltado para o lado técnico, com foco no processo administrativo e nos objetivos da companhia. É responsável pela condução da empresa, com planejamento, controle e direção dos recursos humanos, materiais e financeiros. Um administrador efetivo da área da saúde se familiariza com o tipo de atividade que sua instituição oferece, para entender as demandas de seu pessoal, dos pacientes e da empresa.

O gestor é responsável pelo planejamento estratégico, concepção gerencial e processo político-administrativo. Ele precisa manter a sinergia entre as pessoas, a estrutura e os recursos existentes. Para atingir os objetivos da organização de maneira eficiente e eficaz, ele deve valorizar o conhecimento e as habilidades das equipes de trabalho. Além disso, é necessário estimular a participação, a autonomia e a responsabilidade dos funcionários. Uma boa gestão, além de compreender a parte técnica e a administrativa da empresa, necessita entender como está o mercado em relação aos clientes e aos concorrentes.

Quando você se envolve com gestão de saúde, você precisa se preocupar com diversos aspectos, tais como políticos, contábeis, bem como o gerenciamento da estrutura. Para ser competitivo em seu campo, é interessante para um gestor de saúde ter conhecimento de contabilidade e de assistência médica, para ajudar a desenvolver as habilidades necessárias na abordagem das preocupações de sua posição. O gestor de saúde deve estar sempre atento com sua rede de contatos, além da operação geral da empresa, e deixar o gerenciamento diário da equipe para o administrador.

Enfim, a governança corporativa é uma arte complexa, onde ainda ouviremos muito a pergunta:

“Administrador ou Gestor?”

Por que eu acredito na Saúde Pública?

Por que eu acredito na Saúde Pública? Porque eu já vi dar certo.

Eu poderia encerrar aqui o meu texto, já que este é o maior motivo da minha crença. Porém, provavelmente, muitos não acreditariam nisso. Todos reconhecemos que, há décadas, a nossa saúde pública, salvo raras e honrosas exceções, entregam um atendimento de baixa qualidade.

Então, o que torna tão difícil a melhoria desses serviços?

Seria muito simplista falar que as dificuldades são causadas por falta de vontade ou aporte financeiro. Sem dúvida, são dois fatores importantes, mas a realidade é muito mais complexa do que somente isso.

Primeiramente, eu entendo como indiferente a saúde ser pública ou privada, uma vez que as pessoas e suas necessidades são, na sua essência, as mesmas. Na verdade, a diferença está na gestão.

As interferências políticas na saúde são, sem dúvida, um dos maiores problemas enfrentados nesse segmento.

Os gestores precisam ser escolhidos por meritocracia e terem a autonomia necessária para selecionar sua equipe, bem como sua forma de gestão. 

O recrutamento de pessoas deverá seguir critérios fundamentais como comprometimento, disciplina e técnica. Um colaborador comprometido não se limita a entregar apenas o que esperam dele, mas procura sempre agregar valor. Disciplina e técnica também são atributos indispensáveis para a efetividade do trabalho. No entanto, não basta termos um time se ele não se comportar como tal. Cada um, dentro da sua expertise, precisa saber trabalhar de forma sinérgica com os outros membros da equipe.

Com o “staff” definido, torna-se possível a realização do planejamento estratégico. Após a estipulação de metas a serem alcançadas, por parte de entidade reguladora pública ou privada, é importante escolher um referencial teórico. Este deverá ser um serviço de excelência, público ou privado, de igual porte e no mesmo ramo de atividade, com o objetivo de, minimamente, igualar sua qualidade. Em seguida, analisar, minuciosamente, os pontos fortes, fracos, as oportunidades e ameaças (análise SWOT da unidade). Assim, com a participação de toda a equipe, terá uma base melhor para a criação de processos e linhas de cuidado, com maior eficiência e eficácia no cumprimento das metas.

Contudo, é imprescindível a avaliação periódica do serviço, idealmente por uma comissão formada por membros do órgão regulador, da própria direção e representantes dos usuários.

Sendo assim, mesmo com toda a complexidade do sistema, posso afirmar que é factível.

Então, por que não vemos isso funcionando em toda a rede pública?

Lembra quando falei das interferências políticas?…

Acreditação em Saúde

A eficiência organizacional em uma unidade de Saúde é a capacidade de ela produzir os resultados desejados com um menor gasto de tempo, dinheiro e recursos humanos.

Instrumentos fundamentais para se atingir a excelência neste quesito são os processos de qualidade.

Um dos pioneiros na sistematização de ações, com o objetivo de resultados mais efetivos, foi o Dr. Ernest Codman, cirurgião americano.

Em 1910, enquanto retornava a Londres, após visitar um sanatório de tuberculose, ele explicava a um colega sobre seu método que permitia rastrear pacientes para definir a eficácia, ou não, de seus tratamentos.

Dois anos mais tarde, em 1912, o Dr. Codman apresentou o seu trabalho no “Clinical Congress of Surgeons of North America”. Neste mesmo congresso surgiu o “Comitê de Padronização da Cirurgia”, que assumiu a responsabilidade da acreditação do “American College of Surgeons”, constituído oficialmente em 1913.

No Brasil, em 1941, um departamento do então Ministério da Educação e Saúde, a Divisão de Organização Hospitalar, estipulou os critérios para instalação, organização e funcionamento dos hospitais.

Já nos anos 60, o Instituto de Pensões e Aposentadorias da Previdência Social criou o Relatório de Classificação Hospitalar (ReClar) que, durante muitos anos, foi a base para o credenciamento de unidades de saúde no Brasil.

Entretanto, as acreditações auxiliam, sobremaneira, o desenvolvimento de ações para criação de uma linha de cuidados eficiente e eficaz. Porém, é importante que sejam vistas como meios e não como objetivos, pois a autorregulação é fundamental para manter os processos adequados.

Como o objetivo de aumento gradativo na qualidade da assistência prestada pela unidade de saúde, a acreditação periódica mantém auditagem contínua no “modus operandi” e evita desgastes nas padronizações pela acomodação gerada com o tempo.

Esta auditoria constante realizada por profissionais externos e independentes promove, através de suas análises, aprendizados e evolução contínua, não só da instituição, mas também de seus colaboradores.

O reconhecimento traduzido em prêmios, ou certificações, agem como motivadores, melhoram a ambiência e estimulam o hábito de se ter um ambiente hospitalar com qualidade.

Com isso, os processos de acreditação induzem a padronização de ações, com redução de erros e diminuição de espaço para falhas. 

Infelizmente, principalmente no setor público, não observamos intenção na manutenção dessas práticas, por parte de algumas das organizações gestoras.

Vale lembrar que gestores que buscam acreditações demonstram ter compromisso com efetividade, responsabilidade e segurança.

Promover a sistematização de alto desempenho abre as perspectivas em busca da excelência. Porém, a inércia e a limitação em entregar apenas o proposto direcionam à estagnação e aumenta o risco da perda de qualidade no serviço prestado. 

Gestão em Saúde

Várias pesquisas têm mostrado a saúde como a principal preocupação da população, em que a expectativa e insatisfação das pessoas com os serviços de saúde vêm crescendo.

Vale lembrar que a opinião e, principalmente, a percepção dos usuários destes serviços, são os melhores indicadores qualitativos neste tema.

Há anos que temos observado no Brasil um desgaste na qualidade dos serviços ofertados, por conta do subfinanciamento e ineficiência gerencial. Estratégias de foco no aumento de receita como solução para cobertura de custos excessivos, decorrentes de processos mal estruturados, são medidas com alto risco de colapso financeiro.

Além disso, práticas administrativas inadequadas estão vinculadas à compartimentação dos departamentos e maior distanciamento entre as categorias profissionais. Tal fato proporciona fragmentação da assistência, com importante impacto negativo na sua eficácia.

Administração baseada no sinergismo entre os departamentos, atuação colaborativa entre os profissionais, além de processos bem estruturados, são estratégias mais apropriadas para uma assistência otimizada, adequada e resolutiva.

Afinal, a função do gestor não pode ser limitada a minimizar os conflitos, gerenciar os egos e administrar o caos.

Planejar é preciso

Em uma estrutura de saúde não basta a eficácia, também há a necessidade de ser eficiente.

Preocupação excessiva com metas quantitativas pode levar a vícios de processo, que podem comprometer tanto a operacionalidade quanto o próprio resultado final.

Eficiência do processo é fundamental para a manutenção da qualidade no serviço prestado. Para tal, a gestão de saúde precisa estar sempre atenta ao princípio da equidade, em respeito às necessidades diferentes de clientes diferentes.

Linhas de cuidado devem começar na entrada da unidade de saúde e terminar na sua saída, após transitar por todas as estruturas onde se faz necessária. Na estruturação destas linhas, vale ressaltar a necessidade de serem apoiadas nos processos e não nas pessoas. 

Também não há mais espaço para atividades uniprofissionais.

Mais do que a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade se impõe, na qual diferentes categorias profissionais agem de forma sinérgica e não compartimentada. Por fim, na construção do planejamento estratégico é fundamental a clareza das metas a serem atingidas, bem como a capacidade na sua mensuração. Nesse momento, indicadores quantitativos e qualitativos, bem estruturados e igualmente mensuráveis, servem de importantes ferramentas de acompanhamento e tomadas de planos de ação. Além disso, a tríade composta de missão, visão e valores devem ser a base para alcançar os objetivos.

A doença da Saúde

Hoje foi veiculada na mídia a situação precária do Hospital Albert Schweitzer, bem como de vários serviços de pronto atendimento. Foi ressaltada a greve de médicos e funcionários destes serviços que, diga-se de passagem, estão sem receber seus salários há meses. Senti falta na matéria de uma buscar maior de informações que levem ao real motivo dessa situação.

Não é só a falta de capital humano, mas também toda a estrutura se ressente da carência de materiais e medicamentos. Não vi nenhuma argumentação consistente para explicar a alegada falta de recursos.

No início deste ano, já tinha sido divulgado o superfaturamento de contas pela OSS Cruz Vermelha, empresa essa que a própria mídia apontou que era investigada por desvio de dinheiro da Saúde em várias cidades do país. Aí, eu me pergunto. Quem colocou uma empresa que estava sendo investigada por fraude, na gestão de um hospital tão importante na rede municipal? Se as contas foram superfaturadas, pressuponho que tenham sido pagas. Se havia dinheiro para pagamento destas mesmas contas superfaturadas, como pode faltar para pagamento de salário dos funcionários? E, por fim, onde estão nossos vereadores que têm, dentro de suas atribuições, o poder de fiscalização e cobrança?

Nossa Saúde está doente e os “médicos” que podem resolver isso, estes sim, estão faltando…